sábado, 4 de abril de 2020

AS MÁSCARAS DA INDIGNAÇÃO



 A semana passada, nestas colunas, perguntava se "alguém quer ser ‘campeão do vírus’?"
Estamos todos com muito pouca vontade de falar de futebol, da época que foi suspensa e dos cenários que se colocam, resultantes desta paragem. Apesar do isolamento social a que estamos confinados, contrariado por alguns líderes políticos que acham necessário sacrificar mais de 1 milhão de vítimas para ‘salvar’ as economias, o Mundo não pára e não podemos ignorar as decisões políticas, as orientações das autoridades e dos técnicos de saúde e também as consequências económicas, mesmo aquelas que estão relacionadas com a indústria do futebol.

Curiosamente, não há competição, não há jogo, o mais importante no futebol, mas há muita coisa para falar, analisar e debater, à margem das lógicas comunicacionais de sempre, se foi penálti ou não, se a dialéctica do Benfica é melhor do que a do FC Porto e vice-versa, se o Sporting é ou não para soterrar debaixo da obstinação dos guerrilheiros profissionais, e este é o tempo para a corporação do futebol começar a mudar aquilo que era importante já ter sido mudado, muito tempo antes da eclosão desta pandemia que a todos ameaça.

A pergunta aqui colocada na semana passada não foi respondida, pelo menos de forma pública e nem se esperava que fosse, mas já se adivinhava que o silêncio (comprometedor) iria imperar.

Pinto da Costa quer que o FC Porto seja ‘campeão do vírus’.

Luís Filipe Vieira ambiciona que o Benfica ainda se possa sagrar ‘campeão do vírus’.

O País precisava que nesta altura as duas grandes instituições dessem um sinal de nobreza e de entendimento sobre o momento dramático que vivemos.

Não interessa que a pandemia não esteja controlada; não interessa que muitas outras pessoas vão morrer; não interessa sequer se estão garantidas as condições necessárias (físicas e psicológicas) para se competir; não interessa se esta mobilização do futebol, supostamente afastada do resto da sociedade, não vai criar maiores problemas no objectivo principal de se mostrar um cartão vermelho ao vírus e irradiá-lo do nosso território.

O problema do impasse da época das competições profissionais começa aqui: os dois presidentes dos dois clubes que ganharam entretanto vantagem a ponto de poderem conquistar o título de 2019-20 estão agarrados à expectativa de poderem juntar mais um título de campeão nacional aos seus currículos e não abrem mão disso, mesmo quando são confrontados com o registo diário de mortes em Portugal, na Europa e no Mundo e, também, sabedores que a conclusão da temporada vai colocar aos profissionais de saúde um stress adicional, com consequências directas ou indirectas para a própria comunidade.

Antes do debate sobre as soluções do presente e respectivo enquadramento no futuro incerto que nos espera, há que fechar, todavia, o tema da conclusão da presente temporada e gostaria de deixar bem clara, em resumo, a minha posição sobre o tema:

1. Sou a favor de não atribuição do título correspondente à actual época de 2019-20.
2. A actual classificação da Liga serviria para designar as equipas a jogar na próxima época na UEFA (FC Porto e Benfica na Champions e SC Braga e Sporting, na Liga Europa).
3. Não haveria final de Taça nem portanto designação de vencedor.
4. Não haveria subidas nem descidas.
5. As equipas neste momento em posição de subida (Nacional e Feirense) seriam compensadas na próxima época com + pontos à partida e/ou com prémio financeiro.
6. A indicação de um vencedor do campeonato (à semelhança do que fez a Liga belga) não me parece ser a melhor solução, mas seria preferível a criar-se a expectativa de jogos em Julho (à porta fechada), com consequências/riscos ao nível do sector da saúde.
7. As soluções devem ser achadas no sentido de não potenciar mais vítimas e proteger os técnicos e o próprio sistema de saúde.
8. Sem este stress adicional, em cima da incerteza, tornar-se-ia mais fácil arranjar soluções para mitigar os efeitos decorrentes desta paragem forçada e preparar a próxima época. Estas soluções visam também a protecção dos atletas, e espanta que a FIFPro não tenha sobre esta matéria uma posição clara e de força. A FIFA e as suas confederações — a UEFA, no caso europeu — deveriam chegar-se à frente para compensar os prejuízos entre Abril e Junho.
9. É bom não esquecer que em Itália a propagação do vírus pode ter começado com as aglomerações em estádios de futebol.
10. Todas as soluções devem passar pelo princípio de que as nossas vidas não são negociáveis, e é essa mensagem que o Futebol não está a passar, embora saibamos que a este nível as recomendações da Organização Mundial de Saúde e os respectivos ministérios, em cada País, serão determinantes.

Repito: em toda esta incerteza e sempre sob o risco de condicionar e ferir a integridade de duas épocas futebolísticas de uma assentada — uma vez que é muito difícil assegurar a ‘normalidade’ em 2/3 meses —, o problema maior é jogar-se (previsivelmente à porta fechada) sem que o surto da Covid-19 esteja totalmente controlado. Não seria muito melhor encerrar esta época, a FIFA e a UEFA monitorizarem e subsidiarem, juntos das respectivas Federações (e estas com as Ligas), os custos desta paragem e começar a próxima temporada nas datas previstas, se necessário com pequenos ajustamentos de calendário, uma vez que estaremos em época de Europeu e de Mundial de Clubes?

Depois do que aconteceu e está a acontecer principalmente em Itália e Espanha, acham mesmo — saindo das nossas fronteiras, porque este é um problema global — que há condições éticas e de gestão psicológica do momento para os campeonatos recomeçarem?

É uma perfeita loucura. Já se viu e ouviu de tudo, propostas de isolar estádios, jogadores, treinadores, médicos, fisioterapeutas, pessoal das estruturas de apoio, e o problema — pela dimensão do negócio e ninguém querer chegar-se à frente— é que esse tipo de propostas vem de todo o lado, até do Reino Unido…

Em caricatura, só falta os estádios usarem máscaras; as bolas usarem máscaras e os jogadores a concluirem as competições de máscara a tapar o nariz e a boca — e a lavar as mãos e a manterem a distância táctica e social de 2 metros, mesmo depois de terem sido submetidos aos testes a que largos sectores da população não têm acesso…

As máscaras da indignação que nunca mais chega.

A Bélgica e a Holanda estão a colocar a saúde à frente do reatamento das competições (sendo certo que é preciso encontrar soluções para o negócio, no imediato) e Sérgio Conceição resumiu — como outros protagonistas já o fizeram, como por exemplo Jonas — o essencial: "Sei que há muitos interesses, mas o mais importante é a saúde das pessoas".

O futebol vai ter de mudar. E é essa mudança que interessa considerar. Por exemplo: em Portugal, os clubes portugueses gastam num ano mais de 83M€ em comissões. Imagine-se este dinheiro utilizado para financiar a saúde do futebol profissional no seu todo. Voltarei ao assunto.
daqui

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