Embora pareça, o futebol profissional em Portugal não se reduz nem às aspirações, nem às expectativas, nem aos objectivos do Benfica, FC Porto e Sporting. E enquanto isso não for assumido pela FPF e pela Liga, fica mais difícil diminuir o impacto dessa macrocefalia e, com essa redução, tornar o futebol português mais equilibrado e também mais democrático.
O futebol profissional, em Portugal, reflecte um mapa competitivo assimétrico e as decisões relacionadas com a crise pandémica, que envolveram Governo, FPF e Liga, demonstraram o mais puro desprezo pelos clubes pequenos, quer os do campeonato de Portugal, quer os da 2.ª Liga.
As injustiças obedeceram a dois tipos de ditadura:
1) A ditadura das operadoras de telecomunicações, a defenderem escrupulosamente os seus interesses, uma vez que se tornaram nos principais ventiladores do futebol profissional;
2) A ditadura dos três principais emblemas nacionais, que pressionaram o Governo até ao tutano, os únicos a terem assento personalizado na reunião com o primeiro-ministro e com outros membros do executivo, o que desde logo correspondeu à assumpção, até orgulhosa, de uma discriminação difícil de aceitar.
Se quisermos utilizar uma linguagem prosaica, a NOS, a Altice e a Vodafone disseram sem sofismas: meus amigos, façam lá como quiserem, ponham a máscara ou tirem a máscara, metam ou não desinfectante nas mãos, nas bolas e nas chuteiras, arranjem ou não estádios que tenham balneários suficientes para lá meter os jogadores que vão a jogo, arranjem ou não autocarros suficientes para os fazer deslocar, com ou sem viseira, façam lá como quiserem, mas joguem, acabem lá o campeonato, porque nós não podemos andar aqui a meter o dinheirinho e a ver a banda (não) passar…
Só faltou dizer: pela vossa (e nossa) saudinha, façam isso, porque os milhões não caem do céu e até o céu já não é tão confiável como era antes. ‘Business is business’ e não é a jogar PlayStation que NOS (e os outros) podemos garantir os V. ordenados.
Os ‘grandes’ do futebol português, extraordinariamente sintonizados nesta matéria, por necessidade, mas também porque há títulos em jogo, não deixam qualquer margem de manobra seja a quem for, e sentem a fragilidade do poder político, qualquer coisa assim a modos que ancestral, velha e relha, como se fosse uma regra constitucional. Que não é, sublinhe-se bem.
Com o fim do estado de emergência, mas ainda assim a entrarmos no corredor do estado de catástrofe, a malta - perdoe-se-me a expressão - desconfina-se, e se a malta é atirada para o desconfinamento, numa exposição generosa e simpática ao vírus, por que razão o futebol não se deve também desconfinar e mostrar alguma simpatia ao vírus, que até é bonzinho, na visão de muitos especialistas?
De resto, o presidente do Sporting, Frederico Varandas, único médico entre presidentes dos ‘grandes’, é um grande entusiasta no processo de conquista da imunidade e disso deu conta a António Costa e aos governantes na célebre reunião em que o presidente da Liga esteve quase para não entrar (!), entusiasmo esse acompanhado por imperativos e exigências de natureza financeira.
Varandas sabe que a pandemia apenas veio acelerar e denunciar as más práticas de gestão e os desequilíbrios na distribuição de receitas.
Este halo de pré-falência, numa indústria que faz movimentar milhões de euros, é arrepiante, e o discurso de Frederico Varandas, neste tempo de Covid, mostra bem que o actual ‘modelo de negócio’ está esgotado, porque não promove qualquer tipo de saúde financeira.
A propósito, não creio que o facto tenha sido público, mas na reunião de direcção da Liga durante a qual ficou decidida a despromoção do Cova da Piedade e do Casa Pia, impedidos de lutar em campo pela manutenção no escalão secundário, o presidente Pedro Proença, sempre num tom agitado e bastante audível, afirmou que "se a Liga NOS não acontecer, não é a Liga que entra em insolvência; é o futebol português que entra em insolvência. Não tenham dúvidas disto!"
Pedro Proença afirmou, inclusive, que se não houver retoma do campeonato, e com o futebol "no limite das nossas capacidades", não via outro cenário senão "uma intervenção estatal", com "injecção de capital".
Tudo enquadrado naquilo que apelidou, financeiramente, de "esforço brutal" (repetiu o adjectivo ‘brutal’ várias vezes) nas medidas de ajuda-Covid aos clubes da LigaPro e num ambiente em que "ninguém se consegue financiar", chamando a atenção para o comportamento pós-troika da Banca em relação ao futebol.
Quer dizer: o que resta do principal campeonato tem de se realizar, dê lá por onde der, porque é a única forma de as operadoras bombarem ‘oxigénio’ nas tubagens dos clubes profissionais…
Este reconhecimento de pré-falência e a autodenúncia de que o futebol não é auto-suficiente, levou, no entanto, a que a FPF e a Liga impusessem "critérios desportivos" de promoção e despromoção que são um atentado à integridade e à respeitabilidade dos clubes.
A FPF não conseguiu ser coerente (ou havia promoções/despromoções em todas as situações ou não havia para todos) e a Liga também não conseguiu dissuadir o Governo de promover uma clara discriminação no futebol profissional entre o primeiro e o segundo escalões.
O que aconteceu no Campeonato de Portugal é uma aberração.
Nunca vi, em nenhuma prova nacional ou internacional, quando estão em causa apuramentos resultantes de desfechos em séries diferentes, premiar-se as equipas que tenham somado mais pontos, no conjunto, ao fim de um ciclo de prova.
O que se fez ao Praiense, de Angra do Heroísmo, é uma coisa que não se faz a ninguém. Confundir pontuações em séries diferentes não é uma coisa séria. E deixar para trás uma equipa que liderava a série e tinha 11 pontos de vantagem e menos derrotas do que as equipas promovidas, não se pode deixar de considerar como um dos maiores atentados à verdade desportiva na história do futebol português.
E por isso não posso aceitar que a Covid-19 sirva para proteger os poderosos em detrimento dos mais fracos. Isto não é justiça (a crise pandémica não justifica tudo) e, por isso, não quero deixar de me associar à revolta sentida pelo Praiense, Olhanense, Real Massamá, Fafe, Lusitânia de Lourosa, Benfica e Castelo Branco, mas também pelo Cova da Piedade e Casa Pia.
As injustiças obedeceram a dois tipos de ditadura:
1) A ditadura das operadoras de telecomunicações, a defenderem escrupulosamente os seus interesses, uma vez que se tornaram nos principais ventiladores do futebol profissional;
2) A ditadura dos três principais emblemas nacionais, que pressionaram o Governo até ao tutano, os únicos a terem assento personalizado na reunião com o primeiro-ministro e com outros membros do executivo, o que desde logo correspondeu à assumpção, até orgulhosa, de uma discriminação difícil de aceitar.
Se quisermos utilizar uma linguagem prosaica, a NOS, a Altice e a Vodafone disseram sem sofismas: meus amigos, façam lá como quiserem, ponham a máscara ou tirem a máscara, metam ou não desinfectante nas mãos, nas bolas e nas chuteiras, arranjem ou não estádios que tenham balneários suficientes para lá meter os jogadores que vão a jogo, arranjem ou não autocarros suficientes para os fazer deslocar, com ou sem viseira, façam lá como quiserem, mas joguem, acabem lá o campeonato, porque nós não podemos andar aqui a meter o dinheirinho e a ver a banda (não) passar…
Só faltou dizer: pela vossa (e nossa) saudinha, façam isso, porque os milhões não caem do céu e até o céu já não é tão confiável como era antes. ‘Business is business’ e não é a jogar PlayStation que NOS (e os outros) podemos garantir os V. ordenados.
Os ‘grandes’ do futebol português, extraordinariamente sintonizados nesta matéria, por necessidade, mas também porque há títulos em jogo, não deixam qualquer margem de manobra seja a quem for, e sentem a fragilidade do poder político, qualquer coisa assim a modos que ancestral, velha e relha, como se fosse uma regra constitucional. Que não é, sublinhe-se bem.
Com o fim do estado de emergência, mas ainda assim a entrarmos no corredor do estado de catástrofe, a malta - perdoe-se-me a expressão - desconfina-se, e se a malta é atirada para o desconfinamento, numa exposição generosa e simpática ao vírus, por que razão o futebol não se deve também desconfinar e mostrar alguma simpatia ao vírus, que até é bonzinho, na visão de muitos especialistas?
De resto, o presidente do Sporting, Frederico Varandas, único médico entre presidentes dos ‘grandes’, é um grande entusiasta no processo de conquista da imunidade e disso deu conta a António Costa e aos governantes na célebre reunião em que o presidente da Liga esteve quase para não entrar (!), entusiasmo esse acompanhado por imperativos e exigências de natureza financeira.
Varandas sabe que a pandemia apenas veio acelerar e denunciar as más práticas de gestão e os desequilíbrios na distribuição de receitas.
Este halo de pré-falência, numa indústria que faz movimentar milhões de euros, é arrepiante, e o discurso de Frederico Varandas, neste tempo de Covid, mostra bem que o actual ‘modelo de negócio’ está esgotado, porque não promove qualquer tipo de saúde financeira.
A propósito, não creio que o facto tenha sido público, mas na reunião de direcção da Liga durante a qual ficou decidida a despromoção do Cova da Piedade e do Casa Pia, impedidos de lutar em campo pela manutenção no escalão secundário, o presidente Pedro Proença, sempre num tom agitado e bastante audível, afirmou que "se a Liga NOS não acontecer, não é a Liga que entra em insolvência; é o futebol português que entra em insolvência. Não tenham dúvidas disto!"
Pedro Proença afirmou, inclusive, que se não houver retoma do campeonato, e com o futebol "no limite das nossas capacidades", não via outro cenário senão "uma intervenção estatal", com "injecção de capital".
Tudo enquadrado naquilo que apelidou, financeiramente, de "esforço brutal" (repetiu o adjectivo ‘brutal’ várias vezes) nas medidas de ajuda-Covid aos clubes da LigaPro e num ambiente em que "ninguém se consegue financiar", chamando a atenção para o comportamento pós-troika da Banca em relação ao futebol.
Quer dizer: o que resta do principal campeonato tem de se realizar, dê lá por onde der, porque é a única forma de as operadoras bombarem ‘oxigénio’ nas tubagens dos clubes profissionais…
Este reconhecimento de pré-falência e a autodenúncia de que o futebol não é auto-suficiente, levou, no entanto, a que a FPF e a Liga impusessem "critérios desportivos" de promoção e despromoção que são um atentado à integridade e à respeitabilidade dos clubes.
A FPF não conseguiu ser coerente (ou havia promoções/despromoções em todas as situações ou não havia para todos) e a Liga também não conseguiu dissuadir o Governo de promover uma clara discriminação no futebol profissional entre o primeiro e o segundo escalões.
O que aconteceu no Campeonato de Portugal é uma aberração.
Nunca vi, em nenhuma prova nacional ou internacional, quando estão em causa apuramentos resultantes de desfechos em séries diferentes, premiar-se as equipas que tenham somado mais pontos, no conjunto, ao fim de um ciclo de prova.
O que se fez ao Praiense, de Angra do Heroísmo, é uma coisa que não se faz a ninguém. Confundir pontuações em séries diferentes não é uma coisa séria. E deixar para trás uma equipa que liderava a série e tinha 11 pontos de vantagem e menos derrotas do que as equipas promovidas, não se pode deixar de considerar como um dos maiores atentados à verdade desportiva na história do futebol português.
E por isso não posso aceitar que a Covid-19 sirva para proteger os poderosos em detrimento dos mais fracos. Isto não é justiça (a crise pandémica não justifica tudo) e, por isso, não quero deixar de me associar à revolta sentida pelo Praiense, Olhanense, Real Massamá, Fafe, Lusitânia de Lourosa, Benfica e Castelo Branco, mas também pelo Cova da Piedade e Casa Pia.
A hipocrisia dos fundos de compensação e a simples ideia de alguém ter pensado em retaliar perante eventuais impugnações, numa chantagem inadmissível, diz bem como é possível manobrar o futebol português em nome dos interesses maiores. Não venham é fazer-se de sonsos e fingir que, assim, se protege a verdade desportiva. Balelas!
Sem comentários:
Enviar um comentário