quinta-feira, 5 de março de 2020

O BOI QUE AFINAL NÃO ERA BOI



Uma semana depois de ter arquivado o processo de inquérito instaurado na sequência do caso do túnel do Jamor, que envolveu Pedro Ribeiro, à altura treinador do Belenenses, e  Sérgio Conceição, técnico do FC Porto, o Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol, presidido por José Manuel Meirim, tornou público o acórdão no qual são especificadas as razões de não se terem registado quaisquer punições.
 
Igualmente conhecido como o caso do «boi» (embora, Pedro Ribeiro, em sede de inquérito, tenha negado a utilização de tal expressão, jurando que o que disse foi «Ó Rui» - referindo-se a Rui Cerqueira, assessor de imprensa dos dragões -, e não «Ó boi», como a generalidade do público acredita ter ouvido o técnico dizer, no vídeo divulgado pela SIC e recolhido ao intervalo do jogo Belenenses-FC Porto, de 8 de dezembro), o CD detalhou em 13 páginas todas as etapas do processo, desde os fundamentos que ditaram a sua abertura até às normativas por que foi regida a devida conclusão, sumariamente justificada nestes termos: «Muito embora se encontre fortemente indiciado que Pedro Ribeiro sofreu uma ofensa à sua integridade física, o certo é que, quanto ao agente que a perpetuou, não é possível concluir pela existência de indícios da sua identidade.»
 
A recomendação
 
Parte relevante do acórdão, que teve como relatora Fernanda Santos, vogal do CD, é preenchido pela transcrição do relatório final da Comissão de Instrutores da Liga (CI), responsável também pela inquirição de testemunhas, entre as quais se incluíam Pedro Ribeiro, Sérgio Conceição, Hélder Batista, treinador adjunto do Belenenses,  e Celso Simão, funcionário da SAD lisboeta.
 
Na verdade, a proposta de arquivamento do processo de inquérito foi sugerida pelo «Ilustre Instrutor» da Liga, lê-se no acórdão. E passamos a citar:
 
«Compulsada a informação constante dos autos, mormente, os autos de inquirição de todas as Testemunhas e as imagens de CCTV (...), não consideramos suficientemente indiciada a identidade do agente que perpetrou a ofensa à integridade física de Pedro Ribeiro, muito embora esteja fortemente indiciada que esta ocorreu como descrita pela Testemunha/Ofendido (...). De notar que o próprio Ofendido, de acordo com as partes do respetivo depoimento que acima sublinhámos, não é capaz de identificar minimamente o agente e, para além disso, mal consegue esclarecer quem se encontrava perto de si no momento em que o comportamento infrator ocorreu, para além das Testemunhas Hélder Baptista e Celso Simão, o mesmo se podendo dizer, no que toca à respetiva utilidade para este procedimento, dos depoimentos destes e do de Sérgio Conceição.
 
«Ainda quanto ao depoimento da Testemunho Sérgio Conceição, é de referir que não se apurou terem sido proferidos os “insultos” a que se referiu aquando da entrevista (...), uma vez que, inquirida, esta Testemunha veio o prestar os seguintes esclarecimentos: «(...)Não foram proferidos quaisquer insultos, propriamente ditos. Ninguém se ofendeu mutuamente. Esclarece o Depoente que se referia a expressões proferidas pelas várias pessoas que ali se encontravam, eventualmente numa linguagem mais desbragada, própria do “mundo do futebol” em momentos de alguma adrenalina, como era aquele. Não tem, porém, memória dos exatos expressões utilizadas nem de quem as proferiu.»
 
Mais: «Quanto ao comportamento de Pedro Ribeiro, de que o vídeo divulgado pelo SIC (…) é suposto registo, verificou-se que, confrontadas com o mesmo, as Testemunhas Hélder Baptista e Celso Simão, declararam que presenciaram os factos em apreço e “ó boi” não foi dito por Pedro Ribeiro, omissão que este confirmou.
 
«Acresce o desconhecimento da origem do vídeo em apreço e, assim, a suo falta de idoneidade e validade enquanto meio de prova (..). Dispusesse-se de registo das imagens e som captadas pelos câmaras e microfones integrantes do sistema de videovigilância e talvez se dispusesse de prova válida dos comportamentos indiciados, porém, como vimos, não se logrou obter tal registo.
 
«Muito embora as Testemunhas, perante o vídeo em apreço, tenham oferecido esclarecimentos dos factos a que respeita, consideramos que os seus depoimentos, nessa parte, também poderão ser passíveis de um juízo de invalidade, enquanto meios de prova (…), ou seja, há forte probabilidade de, como o vídeo, serem desconsiderados em sede de audiência disciplinar e/ou decisão final.»
 
Cumpridas todas as diligências, a CI revelou não terem sido «recolhidos indícios suficientes da prática de infrações disciplinares e seus responsáveis».
 
Os factos
 
Nas páginas imediatas do acórdão, além de ser apreciada a proposta de arquivamento remetida pela CI, o CD apresenta alguns factos que explicaram a abertura do processo: «No relatório de policiamento desportivo (…), consta que: “finda a primeira parte do jogo, no percurso constituído pelo túnel de acesso aos balneários ocorreu uma desavença entre elementos afetos às duas equipas. Na sequencia desta situação o treinador da equipa Belenenses SAD, Pedro Ribeiro, mostrou-se bastante exaltado originando uma troca de palavras com elementos do staff da equipa do FCP.
 
«Na comunicação social, em concreto, nos jornais desportivos (...) foi noticiado uma altercação ao intervalo do referido jogo, ocorrida no túnel de acesso aos balneários do estádio do Jamor, envolvendo, entre outros, e segundo aí mencionado Pedro Ribeiro e Sérgio Conceição. Mais aí se aventava a ocorrência de uma agressão a Pedro Ribeiro, bem como, a existência de empurrões e troca de palavras mais acesas entre os dois técnicos;
 
«No vídeo divulgado pela SIC (...) visualiza-se um aglomerado de pessoas, e entre elas, Pedro Ribeiro, a falar em tom exaltado. Tais imagens são acompanhadas de legendas, com as seguintes expressões atribuídas a Pedro Ribeiro - “ó boi”, “deu-me um soco”, “eu não fiz mal a ninguém”, “é uma vergonha”, “é uma vergonha pá”,“que é esta merda”, “vale tudo no futebol”, “vale tudo dar socos c...”;
 
«Na entrevista concedida por Sérgio Conceição (…) ao canal 11 da FPF, este afirmou que, houve entre ele e o treinador de Os Belenenses, tensão no intervalo do jogo, por causa do penálti do Corona. Tendo ainda referido que houve confusão no sentido de insultos, palavreado, em termos verbais, tendo posteriormente, descido as escadas e ido para o balneário (…)».
 
Os testemunhos
 
Além dos factos supracitados, a decisão de proceder ao arquivamento do processo ganhou forma através da análise feita aos relatórios da PSP, do árbitro João Pinheiro («Ao intervalo, no túnel de acesso aos balneários assistimos a uma altercação verbal entre vários elementos afetos às duas equipas não sendo possível identificar possíveis infratores»), dos delegados da Liga («Ao intervalo, no túnel, quando os equipas se dirigiam aos balneários houve uma altercação verbal entre elementos de ambas as equipas, não tendo sido percetível por parte dos Delegados o que foi dito, nem nada nos foi reportado»), bem como testemunhos recolhidos pela CI, que podem ser encontrados nas páginas 9 e 10 do comunicado ontem divulgado:
 
«As testemunhas, Hélder Baptista e Celso Simão, não presenciaram contacto físico entre Pedro Ribeiro e Sérgio Conceição, desconhecendo a identidade do autor de tal ato, embora Celso Simão tenha conseguido ver um punho embater na face de Pedro Ribeiro. Todavia, esta testemunha, não conseguiu sequer perceber se era alguém da equipa técnica do Porto, uma vez que estava de costas para o agressor e era grande a agitação e o número de pessoas no local.
 
«Pedro Ribeiro, embora confirme agressão (soco no lado esquerdo do queixo), não sabe quem foi, tendo dito que, não tem noção sequer de quem, no preciso momento, em que foi desferido o soco, se encontrava junto a si, conforme depoimento parcial e na parte que interessa se transcreve: “(. . .) Esclareceu que, após o termo do primeira parte do jogo (…), abordou a equipa de arbitragem para discutir com os respetivos elementos um lance do jogo que deu origem ao assinalamento de uma grande penalidade. Nesse momento, Sérgio Conceição (...), que seguia um pouco à frente do Depoente, interrompeu a marcha e demonstrou desagrado quanto ao facto de o Depoente estar a conversar com elementos da equipa de arbitragem. Mais declarou que Sérgio Conceição estava, ainda, desagradado com a forma como a equipa do Depoente se estava a comportar no jogo, o que demonstrou e expressou. O Depoente esclareceu que Sérgio Conceição não se aproximou de si, nesse momento, tendo-se limitado a verbalizar o referido desagrado, recorrendo a expressões desagradáveis, que não pode concretizar. Ato contínuo, o Depoente, bem como Sérgio Conceição e a equipa de arbitragem, entre outras pessoas que se encontravam no local (jogadores e staff técnico, entre outros), continuaram a caminhar na direção dos balneários, dirigiram-se às escadas que dão acesso ao túnel que se encontra durante o percurso entre o terreno de jogo e os balneários. Enquanto isso, caminhando paralelamente, o Depoente e Sérgio Conceição, só, continuaram a discussão previamente iniciada, em tom exaltado, o que chamou a atenção de outros membros dos staffs técnicos das equipas, que se intrometeram e passaram a caminhar entre ambos. Quando o Depoente se encontrava no final do patamar que intermedeia as referidas escadas, enquanto vários pessoas caminhavam entre si e Sérgio Conceição, sentiu um soco com que foi atingido do lado esquerdo do queixo, e que veio dessa mesma direção. Perguntada ao Depoente a identidade dos membros dos staffs técnicos das equipas que estavam no local nesse momento, este disse não poder precisar. Sabe quem são vários deles, naturalmente, porém, não tem noção precisa de quem, no preciso momento em que foi desferido o soco, se encontrava junto a si. (…) Perguntado sobre a identidade de quem desferiu tal soco, disse não ser capaz de identificar, tendo em conta o alvoroço e grande número de pessoas que o rodeava naquele momento.
 
«Sérgio Conceição refere que se apercebeu da confusão gerada, mas não viu o que se passou, negando ainda qualquer agressão na entrevista concedida ao Canal 11.»
 
A decisão
 
Sérgio Conceição diria ainda mais, ao ser inquirido pela CI: «(...) Não foram proferidos quaisquer insultos, propriamente ditos. Ninguém se ofendeu mutuamente. Esclarece o Depoente que se referia a expressões proferidas pelas várias pessoas que ali se encontravam, eventualmente numa linguagem mais desbragada, própria do “mundo do futebol” em momentos de alguma adrenalina, como era aquele. Não tem, porém, memória das exatas expressões utilizadas nem de quem as proferiu.»
 
Já Hélder Batista referiu que «não ouviu quaisquer insultos, tendo apenas ouvido Sérgio Conceição, dizer a Pedro Ribeiro, “De que te estás a queixar”(…)».
 
E Celso Simão escutou apenas Conceição dizer a Pedro Ribeiro «algo como, “Que queres?, tás a dar tudo hoje?, é o jogo da vossa vida”».
 
Adiante, o CD destaca ainda isto: «Quanto ao comportamento de Pedro Ribeiro, de que o vídeo divulgado pela SIC (…) é suposto registo, desconhece-se a origem do vídeo em apreço e, consequentemente a sua falta de idoneidade e validade enquanto meio de prova (…), pelo que, embora as Testemunhas, perante o vídeo em apreço, tenham oferecido esclarecimentos dos factos a que respeita, consideramos que os seus depoimentos, nessa parte, também são passíveis de um juízo de invalidade, enquanto meios de prova (…).»
 
A propósito de vídeos, no acórdão é mencionado que os ficheiros «produzidos e armazenados pelo sistema de videovigilância» do Jamor, não tinham som, nem continham «imagens que deveriam ter sido captadas por câmaras que abrangessem as partes do Estádio» onde poderia ter ocorrido o alegado desentendimento entre os dois treinadores.
 
A decisão é comunicada da seguinte forma: «Nestes termos e com os fundamentos expostos é decidido ordenar o arquivamento deste processo de inquérito. daqui

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