Jorge Valdano conta que Manuel Sanchis, capitão do Real Madrid da famosa Quinta do Buitre, costumava adormecer nas viagens entre os hotéis e os estádios. Certa tarde, depois de cumprido o ritual, acordou sobressaltado e perguntou ao companheiro mais próximo "onde é que vamos jogar hoje?". O trajeto estava prestes a concluir-se e o autocarro encontrava-se próximo do destino. O sono apagara-lhe da memória que o adversário era ‘só’ o Barcelona e aquele ambiente hostil nas imediações de Camp Nou era o prenúncio de um duelo que é o despique entre duas fações extremadas do mesmo país.
Vale este relato para relevar o entendimento que certos jogadores têm do futebol. Essa abstração também pode afetar Florentino Luís, para quem o jogo está num patamar superior em relação a toda e qualquer importância para lá das quatro linhas: não há duelos grandes ou pequenos, com mais ou menos pressão, seja com o campeão europeu ou com uma equipa amadora. O jogo é sempre o mesmo, o papel não muda e ele cumpre o que lhe está consignado com o escrúpulo de funcionário a quem não é preciso dizer o que deve fazer. É um aluno tão inteligente e com disco rígido tão preenchido que, mesmo sob avaliação, revela o saber de um professor universitário.
Florentino é a essência do jogo porque, no território onde muito se define pelo sentido estratégico, não comete erros; é prodigioso no que concebe e executa; perfeito no modo como se impõe com argumentos táticos esplendorosos e um entendimento surpreendente da função. Não é normal que um miúdo com tão tenra idade tenha uma leitura tão rápida e correta do que se passa à volta; que chegue constantemente aos factos centésimos de segundo antes de ocorrerem; que seja tão limpo nos desarmes e nas intenções; que ataque quando está a defender e defenda quando está a atacar. É impressionante a facilidade com que interceta linhas de passe, decifra intenções alheias, antecipa movimentos, rouba a bola e vai à vida dele. É um mestre precoce, mesmo não sendo ainda um projeto concluído, como foi notório no jogo de Braga.
Ninguém acredita que seja ele, um miúdo sem barba na cara e expressão de quem acabou de sair da escola primária, a entender e dominar todos os princípios de uma tarefa com elevada complexidade e que, pela tremenda exigência que encerra, está interdita a menores. Florentino é um fenómeno porque já aprendeu quase tudo sobre o jogo; comanda em silêncio a manobra de uma ampla sequência de combinações e movimentos coletivos; deixa os outros de boca aberta pelas sucessivas aulas de gestão e administração futebolística que leciona como se fosse a enciclopédia de uma ciência inconsciente também baseada no instinto, que lhe permite zelar por equilíbrio e segurança. Nunca reclama protagonismo, tem apurado sentido de responsabilidade e funciona como operação de somar constante.
Os jovens costumam ser mais vulneráveis aos tremores da competição; não interpretam com total rigor o sentido de representação do símbolo que trazem ao peito, nem se comportam segundo as regras que envolvem o espetáculo. Florentino é um daqueles maravilhosos irresponsáveis que abordam tudo o que está subjacente às grandes batalhas como veterano que não fez outra coisa durante uma longa carreira. É simplesmente escandaloso que, aos 19 anos, revele o conhecimento, a serenidade, a eficácia e a regularidade de quem já descobriu, por ele próprio, todos os segredos do futebol, com especial incidência na sua natureza de desporto coletivo. Pelo caminho vai aperfeiçoando o entendimento do ofício que outros, mais velhos e experientes, jamais dominaram com tanta coerência. O tempo transformá-lo-á num jogador universal, craque planetário que, em breve, será dos melhores e mais completos médios-centro do futebol mundial.
Sérgio Conceição
com crédito total
O ambiente aqueceu depois do surpreendente empate com o Rio Ave
Sérgio Conceição sabe tudo quanto precisa sobre o FC Porto, seus fundamentos e orientação como clube; sobre os adeptos, seus princípios emocionais e comportamento. A equipa tropeçou em Vila do Conde, a nação azul e branca agitou-se, protestou com veemência e pôs em causa uma série de coisas. Mas ilibou, do presidente ao simpatizante mais insignificante, o treinador. O crédito é total e intocável. Claro.
Bruno Fernandes
é um espetáculo
Os grandes jogadores exercem peso esmagador nos jogos em que participam
Bruno Fernandes é o melhor futebolista da Liga, mesmo agora que lhe tem faltado o fogo-de-artifício dos golos. Vê-lo ao vivo é um espetáculo sublime, porque domina tudo e todos: os companheiros que o seguem, os adversários que o temem e os árbitros, que ele trata como se fossem seus empregados, que não reagem às recriminações mas tendem a mostrar que, decidindo ao contrário, até estão de acordo com ele.
Árbitro que é
um caso perdido
Como foi possível Rui Costa não ter visto a falta de Acuña sobre Rochinha?
O VAR, a sua natureza, os seus protocolos e a sua utilidade na defesa da verdade desportiva, tem funcionado como álibi para árbitros que, errando, o aproveitam para sacudir água do capote. No Sporting-V. Guimarães, por exemplo, correu tudo bem. Mas o resultado foi catastrófico. É o que sucede quando uma boa ferramenta presta auxílio a um árbitro leve, presunçoso e incompetente. Rui Costa é um caso perdido.
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