sábado, 18 de maio de 2019

Carta aberta a Sérgio Conceição



Caro Sérgio,
Sabes tão bem quanto eu que o FC Porto tem qualquer coisa como 0,1% de hipóteses de ganhar este campeonato.

Os 99,9% de hipóteses de conquista desta Liga vão para o Benfica. O Estádio da Luz hoje será pequeno para albergar o entusiasmo dos benfiquistas e grande parte do país vai estar em festa até às tantas.

Sabes tão bem quanto eu que nada é garantido no futebol, mas ambos sabemos também que as hipóteses do Santa Clara são pequenas. Muito pequenas.

Vives, por isso, um momento difícil, mesmo com a final da Taça de Portugal por disputar e mais um troféu para conquistar. E, mesmo que ajudes o FC Porto a ganhar no Jamor, considerando igualmente a campanha na Liga dos Campeões, ambos sabemos que não ganhar o campeonato é, para ti, e, claro, para todos os portistas, sobretudo nas condições em que isso está prestes a ocorrer, um grande murro no estômago.

Ambos sabemos como foi difícil a conquista do título na época passada. Um grande apelo à motivação e à união, mantendo a equipa ligada, debaixo de uma orientação rígida, sem dar espaço a grandes liberdades. Manter os jogadores focados e identificados com a tua ideia de jogo, uma boa ideia nos seus aspectos essenciais. Criaste uma equipa de trabalho, recuperaste o ADN do FC Porto e, em condições de extrema adversidade (clube debaixo das exigências do fair play financeiro), conseguiste o que poucos conseguiriam naquelas circunstâncias – e fizeste muita gente, internamente, respirar.

O FC Porto estava em plano inclinado, com o Benfica numa dinâmica de conquista de campeonatos, apesar da pressão supletiva dos processos judiciais, e por isso te apelidei de arquitecto do antipenta. Nunca se vence sozinho, não há batalhas complexas como a do futebol que se vençam sozinhas, mas tu foste soldado e general, meteste a cabeça na lama quando foi preciso e deste lustre às dragonas em momentos de maior desanuviamento.

Quando acreditamos no nosso trabalho e na seriedade do nosso trabalho – e eu percepciono que és muito sério no que fazes e lutas até à exaustão por aquilo em que acreditas –, imaginamos, também, que as pessoas à nossa volta acabam por reconhecer o empenho, a determinação e a permanente busca de soluções. Às vezes, isso acontece, mas acontece menos do que aquilo que desejamos. É a vida.

Na minha condição de observador, toda a vida a olhar para as especificidades do futebol, há uma coisa que identifica a capacidade dos treinadores. Quando os jogadores jogam como vocês querem. Quando as equipas são uma extensão da personalidade, do carácter e das vossas ideias. Parece fácil, mas dá muito trabalho. Porque é preciso gerir questões técnicas e emocionais, de um grupo alargado de gente distinta, com as suas diferenças, de nacionalidades, de temperamento, de dependências e de influências externas, dos empresários e de quem não faz mais nada senão explorar as fragilidades dos jogadores.

Saber liderar não é fácil. Eu vi, em quase todos os jogos, o FC Porto a jogar como tu querias, eu vi a equipa a ser o reflexo da tua personalidade, da tua forma (séria) de ver o futebol. Houve, contudo, alguns jogos em que o teu controlo sobre a equipa não foi total e dou-te dois exemplos: no Dragão, com o Benfica, e em Vila do Conde, com o Rio Ave, mais recentemente. Dois momentos importantes, com respostas incompletas e até bizarras. Em que buraco se meteu o ADN do FC Porto?

Compreendo, no entanto, a tua reacção à reacção das claques. Mas aí fazes parte de um filme em que não és o realizador. Fizeste parte do filme, como actor secundário. As claques não podem ser mais do que adeptos que estão disponíveis para apoiar as equipas. Nos bons e maus momentos. Não podem ser nem juízes nem carrascos. E se, às vezes, se comportam como tal, é porque o consentem. A força (abusiva) das claques expõe a fragilidade das estruturas. E disso não tens culpa.
O incidente protagonizado com um adepto, no jogo de juniores com o Benfica, e envolver o teu filho Rodrigo, também não ajuda à ideia de que o a estrutura está com o Sérgio Conceição e o Sérgio Conceição está com a estrutura. Há uma coisa que o futebol nos ensina: entre treinadores-fortes e presidentes-fortes não deve haver quem meta a colher. Mas há, como ambos sabemos, muitos a fazê-lo. Que se fazem de mortos durante parte das temporadas mas que se portam como abutres ou como hienas quando farejam o sangue que jorra de uma ferida aberta. Há sempre que contar com eles. E creio que esse pode ser um dos temas que gostarias de tratar com Pinto da Costa. Não sei se vale a pena esse debate. Já sabes do que ‘eles’ são capazes. Os últimos dias foram muito feios. Serviste para tapar um grande buraco. E ninguém serviu para tapar o buraquinho que tu fizeste com os teus erros.
Artigo de opinião Rui Santos no Jornal Record

Sem comentários:

Enviar um comentário

Bardamerda para a maioria dos analistas

  Ansioso para ler e ver o que tem a dizer os 'cientistas da bola', depois de anteontem o Barcelona ter 'empacotado' 8 batat...