Chegou à Luz com um fardo de 16 milhões de euros às costas. O peso é tremendo para qualquer homem mas torna-se insuportável para quem nunca ambicionou ser protagonista e reduziu as motivações da carreira a tirar algum prazer do jogo e escapar à pressão de um grande clube – como se tal fosse possível… Todo o comportamento no Benfica configurou a imagem de um funcionário obediente, disposto a cumprir obrigações solidárias, de acordo com o senso comum do trabalho imposto pelo treinador. Rafa agiu como profissional estrito, distante, frio, indiferente à natureza de um clube gigantesco na sua dimensão social e desportiva. Sem perceber, afastou-se do grande palco, triste, baixando os braços, resignado ao infortúnio. Nenhum treinador confia num jogador assim.
Juan Antonio Corbolán, um dos melhores basquetebolistas espanhóis de todos os tempos, que defendeu o Real Madrid quase duas décadas, costumava dar lições aos jovens pretendentes a jogadores. Punha-lhes a bola nas mãos e perguntava: "Quem é a pessoa mais importante deste clube?" Quase todos respondiam: "O presidente." E era aí que ele queria chegar: "Certo, mas quando tens a bola nas mãos, a pessoa mais importante do clube és tu."
Não se trata de reclamar o romantismo que o negócio devorou, porque o tempo reduziu à insignificância os benefícios de conceitos que passaram à história; o amor à camisola é uma ingenuidade tão grande quanto a inocência do apego sentimental às raízes dos clubes; a convicção de que um vínculo mais sólido e profundo possa influenciar o comportamento dos jogadores é uma utopia porque, na esmagadora maioria, esses intérpretes nasceram longe e desconhecem a história por trás do emblema que trazem ao peito. Muitas vezes, porém, é bom que o futebolista não reaja à voragem mediática dos clubes que representa, ao peso da bandeira e às circunstâncias adversas de cada jogo. É o truque de muitos para aliviar tensões e atingir o máximo das suas possibilidades. Convém não exagerar. A opção encerra o risco de beliscar um dos mandamentos sagrados dos adeptos: é imperdoável agir como se nada acontecesse onde tudo está a passar-se.
O percurso quase o levou à dispensa no mercado de inverno. Mas Rafa ouviu o alerta das sirenes, alterou o comportamento e, com a lesão de Salvio, agarrou a nova oportunidade concedida por Rui Vitória. Não perdeu a noção básica do futebolista com obrigações específicas a cumprir mas, por fim, acrescentou à atitude geral paixão, compromisso, orgulho, arrogância, fúria e demais argumentos bélicos sem os quais é difícil (impossível, em determinados momentos e contextos) triunfar. Numa atividade criativa, geradora de emoções extremas, o artista não pode dar por concluída a tarefa sem ir ao fundo de si próprio; está proibido de assumir a atitude mercantilista da indiferença face ao espetáculo e às necessidades da equipa; tem de ser cúmplice de milhares e milhares de pessoas cuja felicidade depende em parte do seu esforço e lutar como operário enquanto não recebe a visita da inspiração.
Rafa está a transformar-se num dos maiores desequilibradores do futebol benfiquista. Cumpre agora a perspetiva de um futebolista talentoso, explosivo, sacrificado e perfeito gestor da velocidade supersónica. Mantém debilidades à medida que se aproxima da baliza (fica ansioso, confuso, impreciso, às vezes até assustado com lances que ele próprio cria) mas encontrou motivação para responder a quem ainda se divide entre considerá-lo craque ou bluff; às ou duque; peça preciosa para o último troço da época ou simples cumpridor de missão passageira. O modo como se tem exibido; o peso relativo na equipa e a expressão regular de um futebol vertiginoso, vertical, associativo e de sucessivas explosões individuais, resgataram a esperança à volta de um jovem (24 anos) com muito para dar ao futebol português.
Bas Dost não é só estatística
Os números não mentem: é um dos jogadores mais valiosos da Liga
Bas Dost é a expressão máxima do processo ofensivo leonino. E em causa não está apenas a eficácia que revela – em Chaves entrou aos 56 minutos e aos 62’ estava a fazer um golo que "nenhum outro avançado do Sporting faria", Jorge Jesus dixit. O holandês é inteligente nas movimentações, aprimorou a técnica individual e aumenta a possibilidade de êxito de toda a equipa. Em suma, é um grande jogador.
Clemência para o réu Brahimi
O futebol pode ser muito ingrato para com jogadores em estado de graça
Brahimi falhou o penálti em P. Ferreira e, se era para isso, foi bom que tivesse sido ele: não há outro jogador do FC Porto com tantos argumentos para reclamar a clemência do tribunal azul e branco. O argelino é estrela absoluta da Liga e a principal figura de uma equipa que tem dado permanentes satisfações ao espetáculo. Estatuto que não sofre contestação só porque foi o réu mais visível de uma derrota.
As dificuldades de André Gomes
Viver acossado pelos seus próprios adeptos é um caso de dificuldade extrema
André Gomes lançou o apelo pungente de que está a viver um inferno como jogador do Barcelona. Ninguém foi apanhado de surpresa – a maior estranheza foi ser uma reação tardia a algo que já tem meses. Mesmo defendido por treinadores e companheiros, a maior dificuldade da impiedade revelada por adeptos e até jornalistas é a relação com o jogo: desarticula o que pensa, vê e executa. É um jogador em dificuldades.
Artigo de opinião de Rui Dias no Jornal Record
Sem comentários:
Enviar um comentário