domingo, 18 de fevereiro de 2018

Manuel Cajuda no seu melhor

Em baixo, alguns excertos através do Jornal «A Bola» de um dos  treinadores portugueses com mais experiência neste País, que, felizmente para todos nós, está de regresso ao futebol português.

 

«ENCHEM A BOCA PARA DIZER JOGO INTERIOR. EU PREFIRO AFUNILAR»



Aos 66 anos, Manuel Cajuda está de volta ao futebol português para orientar o Académico de Viseu, da Liga 2, que tem como objetivo a subida de divisão. Aqui ficam algumas das tiradas do técnico que estava no Sichuan Annapurna, da China, numa entrevista imperdível e que foi publicada neste sábado pelo jornal A BOLA.

«Há pouco tempo ouvi dizer que eu era um coitadinho que tinha ido para a China porque não tinha mercado cá. A primeira coisa que peço é que não tenham pena de mim, porque não fui para a China ganhar 1500 euros por mês. Pagaram-me bem! Estive nove anos fora, todavia nunca me afastei do futebol. Estarei, talvez, entre os poucos treinadores que nunca estiveram um ano parados. Ainda há pouco tempo, nesta transição para o Académico, brinquei com a minha mulher dizendo-lhe que ao fim de 40 anos é que soube o que era um fim de semana...» 

«Poderiam pensar que só voltaria para um grande clube, com chorudo salário, mas não preciso disso. Estimula-me a forma desconfiada como podem achar que não serei capaz de levar o Académico à Liga, pois eu quero, e aceito, esse repto.»

«Na Tailândia, num treino, estava eu junto à linha quando um dos adjuntos expulsou da sessão um jogador estrangeiro por mau comportamento e espantei-me quando reparei que o jogador corria na minha direção. E não vinha com toda a certeza para me dar um abraço, vinha bater-me! Eu estava mesmo a pensar ‘queres ver que este gajo vem bater-me’... E só não bateu porque o agarraram! Pouco depois, o presidente do clube disse-me que eu tinha de acompanhá-lo à polícia para denunciar o jogador. Foi expulso da Tailândia porque violou uma regra social de respeito pelos mais velhos e teve de voltar para o país dele. Na Tailândia preserva-se um culto da idade que se perdeu em muito lado.»

«Nos Emirados Árabes Unidos comprei o Alcorão, uma edição escrita em espanhol, e cumpri o ramadão contra a vontade da minha mulher, que me chamou doido. Só cumpri 12 dias, mas a sério! Temos sempre de aprender, de nos aproximar dos outros. No futebol e na vida.»

«Os treinadores de futebol em Portugal às vezes acham que são os mais inteligentes do Mundo, que dispensam ensinamentos de quem quer que seja. Eu ainda estudo todos os dias, esperando evoluir. Sabe, na verdade eu até fui treinador sem querer. Nunca quis ser treinador. Fiquei confuso quando aconteceu [no Farense]. Estive dez meses a ser treinador sem querer, sem gostar. Talvez tenha aprendido. Mas nunca quis ser treinador e, na verdade, nem sei se sou. Gosto mais de pensar que sou um gestor das competências dos outros, cada vez mais acredito nessa ideia, que há muito desenvolvo. Não me importo de ter na minha equipa técnica quem saiba mais do que eu. Eu só faço a gestão desse conhecimento e desse trabalho dos colaboradores. De início, aliás, eu até queria era ser engenheiro e cheguei a matricular-me, mas os meus pais não tinham dinheiro para o curso.»

«Eu não gosto de dizer ‘no meu tempo acontecia isto ou aquilo’, porque o meu tempo é este, é agora. Não é o meu passado que vai ajudar o Académico de Viseu a estar na Liga para o ano, seguramente» 

«Ir treinar com os jogadores para a praia permite arejar, quebrar o rigor - que temos de quebrar de vez em quando até para saber o que ele é. Gosto que os jogadores andem felizes, que brinquem, que saibam onde está a gaja boa na bancada!»

«Senti que se tivesse sido mais arrogante a minha carreira poderia ter sido ainda melhor. Nunca o quis fazer, porém. Podia ser trolha ou padeiro que seria a mesma pessoa num quadro de valores e comportamentos.»

«Parece haver tendência de muitos treinadores para se referirem ao futebol como se estivessem a falar de mecânica quântica ou de astrofísica, esquecendo-se que, salvaguardando os conhecimentos da profissão, o jogo é simples de compreender, daí a popularidade.»

«Toda a gente sabe ver futebol, percebe o que funciona ou não. Quando eu vou ao cinema também sei o que é um bom filme ou um mau filme e também não sou cineasta; ou melhor: até posso não arriscar dizer que é um bom filme ou um mau filme, mas garantidamente vou ser capaz de dizer se gostei ou não gostei de ver. Agora toda a gente enche a boca com o ganhar, o formatar o processo defensivo, as transições… Aborrece-me quando utilizado para se fazer crer que se usa fraseologia moderna. Vejo comentadores de televisão encherem a boca com ‘o jogo interior’, expressão da moda. Há 40 anos já o meu pai dizia que uma equipa afunilava o jogo, que é a mesma coisa e eu prefiro.»

«Hoje estão a cometer-se outra vez erros que eu cometi há 30 anos, porque nessa altura houve o `boom` da preparação física, toda a gente achava que o futebol era físico; e hoje parece que toda a gente acha que o futebol é tático. E também não é. O futebol é tudo.» 

«Eu, no futebol português conheço tudo e vi tudo, não ouvi dizer atenção: vi tudo! Traquinice? Não sei se foi a maior, mas roubei o autocarro do Farense para levar grande parte da equipa à discoteca... Nunca contei esta história antes. Já passaram 40 anos.»

«Em 1995, estava eu no Braga, incluí na minha equipa técnica um psicólogo e uma nutricionista (uma mulher, sublinho). Foi um escândalo. Hoje, se me perguntarem se um psicólogo faz falta digo que faz; mas se me perguntarem se quero um na equipa técnica já digo que não quero.»

«Serei sincero: prefiro ouvir os presidentes dos clubes, e os treinadores, do que os diretores de comunicação. Quando se começou a dizer que a comunicação era importante no futebol, não era isto que se tinha em mente.»


«Um dos problemas do futebol português é ter perdido o sentido de humor. Não estão em causa as pessoas que desempenham os cargos, mas sim o uso que os clubes dão a esses cargos. Estão a ir longe de mais.»

«O quarto lugar do Braga é pouco para a dimensão que o clube entretanto ganhou. Eu tenho dificuldade em falar do Braga, confesso, porque eu nunca fui o pai do Braga, mas acho que fui o tio.»

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